Mais um posto gigante... fazer o que? Acho que vcs já estão acostumados...
"A gente pode pensar no exemplo de 3 criminosos. Vamos supor que eles foram os três condenados à morte, e irão ser executados em 1 hora. Imagina que eles são colocados na mesma cela e a gente pode ver lá dentro e os três começam a brigar, socando chutando e até mordendo uns aos outros. Isso porque eles vão ser executados em uma hora. Alguns de vocês que são mais sensíveis podem até vir a chorar, mas a maioria das pessoas de olhar a cena vai pensar: "Tão triste..." uma hora de vida e estão brigando... Mas na verdade, o mesmo exemplo vale exatamente para nós todos... podemos ter um pouco mais de tempo, então podemos não perceber, mas quando brigamos uns com os outros fazemos exatamente o que os três prisioneiros fazem."Lama Lohk Thor
Tushita, setembro de 2007
Ai ai ai... 10 dias que no final das contas podem ser resumidos no trecho acima. Esse cara é o diretor da biblioteca de arquivos do Tibet e foi o tradutor do Dalai Lama por 15 anos, e num dos dias do nosso curso ele deu uma aula pra gente sobre "Equanimidade" nem sei se a palavra existe em português, mas a idéia é tipo híper mega compaixão, ou algo assim...
Vamos fazer o flashback e começar do começo... começou bem maior que eu esperava... achava que seriam umas 10 ou 20 pessoas no curso e eram na verdade umas 80... percebi a sorte que eu tive pois fui o último da lista dos inscritos efetivamente, mas muita gente não apareceu e algumas pessoas que não estavam na lista puderam participar, ou seja, o roubo da minha carteira até que serviu pra alguma coisa...
Pra manter a lei do silêncio, confiscaram nossos computadores, iPods, telefones e até as máquinas de foto foram pro cofre descansar. Definiram os quartos por ordem de chegada, então eu cai num quarto com mais 3. Os mesmos 3 formaram comigo o time dos lama, isso porque cada pessoa vai ter um trabalho pra fazer durante os 10 dias pra manter a casa rodando. Varrer o chão, lavar a louça e, é claro, limpar as latrinas. Advinha qual que ficou pra última pessoa inscrita? Então durante os 10 dias eu e meus 3 companheiros de quarto tivemos de limpar os 4 chuveiros que banhavam o povo, e além disso 4 das 10 privadas onde 80 pessoas cagavam e mijavam diariamente...
O primeiro dia foi mais de familiarização, e a gente ainda podia conversar. Ai rolou uma conversa com os professores dando uma idéia de como ia ser, e depois ja veio a janta, e aí depois da janta a primeira seção de meditação, que também marcaria o início do silêncio.
Vo ter que explicar um pouco do que aprendi sobre meditação pra poder explicar o que rolou durante os dias, pq na real foi só qo que a gente fez... meditar e estudar o Budismo. Sobre meditação eu fiquei de cara com a força da técnica, muito impressionante. Sobre o budismo, o primeiro que aprendi foi: Budismo É sim uma religião. Eu ouvia dizer que era mais uma filosofia de vida ou um caminho espiritual mas aprendi que é uma religião tão completa quanto todas as outras que já conheci, só que é mais fundamentada em lógica e não admite a existência de um Deus criador todo poderoso. Vai lendo que eu explico mais. Vamos voltar pra meditação pra eu poder continuar com os fatos:
Existem basicamente 2 tipos de meditação: Objeto-único e Analítica. Na primeira a idéia é focar exclusivamente num objeto e não desviar a atenção por nada. O objeto utilizado é em geral a respiração, já que está sempre presente, e a idéia é que a meditação meio que integre seu dia a dia então vc vai ter sempre ali a respiração pra utilizar. O objetivo é adquirir clareza e estabilidade da mente em direção ao objeto. Perceber a respiração em seus diversos estágios e manter tal percepção inabalável por qualquer influência externa - sons, dores no corpo, que são relativamente fáceis de ignorar - mas o que é pior, isolar de influência interna, ou pensamentos. Não ouvir nada, manter os olhos abertos e não ver nada, ignorar a mosca que pousou no seu nariz e mais difícil ainda, não deixar a mente ir pra outro lado a não ser a respiração. Na verdade, pelo menos pra mim, pareceu que é meio que um treinamento pra o outro tipo de meditação.
Na primeira seção, só 5 minutos, falaram pra gente contar as respirações que isso ajudava a concentrar... no final teve só umas duas pessoas que conseguiram passar do 2.
A outra meditação, a analítica, e mais complexa. A idéia é tomar um objeto um pouco mais amplo e analizar ele logicamente incentivando a idéia, tentando gerar um sentimento, um estado de espírito. Aí a gente tenta concentrar nisso que foi criado e observar nossas reações, e quando começar a baixar a vibe, a gente influencia ela denovo ou deixa ir embora e termina a seção. Só que é muito mais bizarro que rezar por exemplo, pois os tópicos que vc toma pra meditar vem da filosofia Budista que são muito estranhos... além disso vc não pensa só em coisas boas... nem de perto... a gente meditou sobre amor e compaixão, mas também, muito mais até, sobre sofrimento, morte, "attachment". Uma das cenas que a gente usou pra meditar sobre sofrimento foi imaginar a gente dentro de um prédio pegando fogo, vendo gente pulando pela janela, corpos no chão, sua respiração doendo do calor, as chamas chegando perto de vc mais e mais. Isso lá pro sétimo dia, quando a gente já conseguia concentrar relativamente em uma coisa só e a imagem ficava muito viva quando a única coisa que vc ta fazendo é prestar atenção na instrução e detalhar a cena o máximo possível. No final eu lembro que ele falou: Deixe suavemente a vizualização se perder, lembrando que vc está no centro Tushita meditando, aí eu fui acalmando e percebi que os músculos do meu corpo inteiro estavam travados completamente, meu pescoço tava duro igual um pau e a minha cara tava naquela expressão de dor como se alguém tivesse me espancando. Se alguém que está lendo duvida eu recomendo que procurem alguma aula de meditação e façam pra vcs verem o quanto a mente é capaz de inferir sentimentos de qualquer sorte, afinal de contas, sentimento vem da mente. Mente não quer dizer cérebro no budismo, é tipo um ente maior que pertence a cada um, mais ou menos como a idéia de espírito ou alma que a gente tem.
Bom, voltando a sequencia dos fatos, depois da primeira seção de meditação fomos comer e o rango era vegetariano, mas como pude concluir no final dos 10 dias, era muito bão.
Aí meio que definiu a rotina que teríamos dali pra frente. Acordávamos às 6 com uma pessoa que batia um sininho - era o trabalho dela, tal como o meu era limpar a privada - aí 6:45 começava a primeira seção de meditação, que era sempre objeto-único pra observar como a mente começava o dia. As meditações eram de 45 minutos, mas eram divididas em pequenos intervalos de 5, que aumentaram pra 10, depois 20 e no final era 45 minutos quase direto. Depois da primeira meditação vinha o café da manha, que era bão tamém, aí uma hora de a toa, onde como ninguém podia conversar, todo mundo ficava lendo um livro, viajando ou meditando. Aí às 9 começava a "aula teórica" sobre Budismo, que durava até as 11. A professora era uma americana que virou freira Budista, as aulas eram em inglês e abordavam os tópicos essenciais do Budismo. No próximo parágrafo eu vo escrever um pouco sobre isso, mas deixa eu terminar a rotina diária. Às 11 começava a aula de Yoga, que ia até o meio dia quando vinha o rango. Depois, estávamos a toa até as 2, quando recomendavam que a gente fizesse nossos trabalhos, então a gente combinou de limpar a privada todo dia às 1 da tarde. Aí, às 2 vinha o grupo de discussão, que tinha uma pergunta proposta pela professora, sobre o que rolou na aula de manhã e a gente tinha que trocar idéia. As perguntas eram em geral do tipo: "Saber sobre o assunto da aula da manhã faz alguma diferença no seu dia a dia? Se não, vc utiliza algum outro tipo de filosofia?" Aí às 3 vinha o chá, até 3:30, quando começavam mais 2 horas de aulas, até 5:30. Aí a gente só dava um rolé e bebia água e tinha meditação analítica às 5:30 até 6:15. Depois vinha a janta, e às 7:30 tinha o último compromisso, mais uma seção de meditação de 45 minutos, normalmente uma analítica.
Assim foram os 8 primeiros dias. Os 2 últimos foram o "Retiro" quando a gente só meditava, comia e dormia. 8 seções por dia de meditação, quase todas analíticas, tirando a primeira e a última, e uns 5 minutos de obejto-único na respiração no começo de cada seção analítica. Dá pra ver que a atividade cerebral tá na alta durante o curso inteiro né?
Agora vou passar um pouco sobre os tópicos do Budismo, e ver se termino esse post que me parece que já tá grande...
Tudo começa assim: o que vc quer fazer da vida? Aí o povo responde um monte de coisa cada um diferente, ser médico, professor, vagabundo, ir viajar, comer comida boa, ter uma mulher gostosa... aí a gente vai digerindo e conclui que podemos resumir a resposta dizendo:
"eu quero ser feliz". É uma resposta bem abrangente né? Bem exata embora não muito precisa.
Aí depois vêm: o que vc não quer da vida? Aí o povo descarrega um monte de merda que no final da pra resumir em:
"eu não quero sofrer". Resposta igualmente consistente né?
Aí depois vem a provocação: ok galera, aparentemente todo mundo sabe o que quer da vida, quer ser feliz e não sofrer. Mááááás, parando pra pensar... "Estamos fazendo um bom trabalho?" Aí vem a brincadeira, pq a idéia central do Budismo é que na verdade estamos fazendo um péssimo trabalho e na verdade é impossível encontrar qualquer coisa que seja felicidade verdadeira no mundo terreno em que vivemos. O argumento pra definir o que eles chamam de felicade verdadeira é algo que, se é verdadeiro e genuíno, poderíamos fazer sempre a mesma coisa e estaríamos sempre felizes, e é bem fácil de ver que não dá pra achar, baseado no que a gente pensou antes como fonte de felicidade, nada que satisfaça tal condição, que apesar de meio extremista, ainda tem algum fundamento.
Assim começaram não somente as aulas mas também toda a teoria Budista. A idéia é que o Buda, por volta do ano 500 A.C., quando tinha uns 20 e tantos anos, encontrou o caminho pra felicidade eterna, e passou o resto da vida ensinando o caminho até morrer por volta com uns 80 anos. O primeiro ensimento do Buda foram "As 4 verdades nobres" que são:
1- O sofrimento existe
2- Existem causas para o sofrimento
3- O sofrimento pode ser interrompido
4- Existe um caminho para interromper o sofrimento
Além desse, são atribuídos mais de 80.000 ensinamentos ao Buda, e além deles vem as interpretações dos seus discípulos mais proeminentes, e então forma-se um corpo teórico incrívelmente abrangente em torno essencialmente dessas idéias. O mais legal e a insistência do próprio Buda em que cada aluno teste seus ensinamentos baseado em qualquer ponto que quiser. Meio como que o Papa dizer pros fiéis questionarem usando sua lógica se Jesus o homem que veio a terra é ou não o filho de Deus, se ele ressuscitou ou não e tudo mais... Além disso, o Buda, Sidarta Gautama, o que é famoso, quando encontrou o caminho pra felicidade eterna descobriu outros seres que já haviam encontrado, e depois dele também houveram outros, e todos nós podemos encontrar também. Além disso, o budismo acredita em re-incarnação, mas num sentido muuuuito mais amplo que os espíritas do Brasil - pelo menos até onde eu entendo do espiritismo - assumem. O contínuo da sua mente passa de uma vida pra outra, mas não somente de humano pra humano, mas também pra cachorro, inseto, porco, anjos, e até mesmo vida inteiras no inferno. Além disso, o Buda alcançou a onmisciência, ou seja, ele lembrou de todas as suas vidas passadas e podia ver em cada um todas as vidas deles e sabia de tudo não somente sobre o caminho pra felicidade mas também qualquer informação ridícula como o número de formigas na Terra. Ainda mais, diz que o universo em que vivemos não é o único e não teve um começo. A palavra usada foi "Begginingless" daí a descrença em um Deus criador todo poderoso e onisciente que está de alguma forma acima de nós, que é de alguma forma superior. Dizem que além desse existem também outros infinitos universos com infinitos seres que são essencialmente todos exatamente iguais tendo todos o mesmo potencial para alcaçar o que o Buda alcançou e todos querem a mesma coisa, serem felizes e não sofrer.
Especialmente essa idéia de universo sem começo e sem fim me soou muito interessante... eu já era muito descrente da idéia de Jesus como o messias do senhor na terra e o caminho para a Salvação e também num era muito chegado na idéia de Deus, mas acho que existem muitas evidências que indicam alguma coisa além da matéria de alguma forma ou de outra... o próprio Chico Xavier é algo que eu não consigo imaginar como um falsário, então eu tenho digamos que uma conexão com alguma coisa espiritual... De qualquer forma, esses 10 dias valeram pra me dar um pouco mais de base pra responder Não à quem me perguntar se acredito em Deus, mas dada a explicação acima, acho que na verdade isso me trouxe mais pra perto de algum mundo espiritual do que pode parecer para quem tenha a cabeça fechada o suficiente para não perceber outras explicações sobre o incrível mistério que nos cerca. Eu nem de perto virei Budista, nem acho que sei o que se passa do mundo além da matéria, mas pelo menos fiquei um pouco mais incentivado a procurar, mesmo tendo a certeza quase absoluta que a minha verdade, algo que realmente me satisfaça, eu não vou encontrar antes da morte.Eu sinceramente acho melhor não explicar mais nada a não ser isso, pq eu vo ter que resumir demais para fazer caber num post e vai ficar muito impactante e ninguém vai entender e vai achar que é lorota... mas na verdade é tudo muito palpável dentro de uma lógica bem simples, e num nível intelectual é bem possível de entender a essência da teoria. Só pra dar uma palhinha, depois de um conjunto de raciocínios, a filosofia vem e diz que você, essa idéia que vc tem de vc, ou o que a gente aprendeu o chamar de "Conciência de sí mesmo" vc sabe que vc existe, é uma ilusão. Não dizendo que vc não existe, mas que a idéia que vc tem sobre vc mesmo e depois sobre todo o resto, é extremamente equivocada, e essencialmente incompleta, e que não é simplesmente algo que possa ser concertado, mas sim é algo que deve ser completamente eliminado. Numa das séries de meditação, quer dizer numas 3 ou 4 delas, a gente ia construindo um monte de raciocínio que iam desmontando a idéia de gente que temos, e a sensação provocada é a da mais completa confusão que já senti na vida. Chega num ponto que vc não consegue mais construir imagens com vc no meio, ou algo assim... Ja reli e deu pra ver que nem vale a pena explicar mais... quem quiser saber mais pode me perguntar por email ou por comentário, mas o melhor mesmo é comprar um livro e encontrar um professor qualificado.
Bom, no final de 10 dias extasiados de pensamentos como esse, concordando com muitos, principalmente os mais básicos, e discordando e argumentando contra montões de outros, posso dizer que foi bom demais e que dá pra resumir o que eu tirei pra mim no trecho que coloquei no começo do post, e com aquele em itálico no meio sobre a existência ou não de Deus. Além disso posso dizer que o tal do caminho do Buda tem uma grande dose de força, pq lá pro oitavo dia e nono todo mundo andava com um puta sorriso na cara... eu lembro que um dia eu sai pra caminhar durante a aula de Yoga e minha boca ficou travada num sorriso e eu tava tão calmo e tão feliz sem motivo nenhum quase igual quando das poucas vezes em que fumei um baseado... duas ou três vezes a galera desperdiçou metade da seção de meditação pq ninguém conseguia parar de rir! Dá pra ver também nos vídeos do Dalai Lama e dos dois professores Budistas Tibetanos que foram visitar a gente, que os cara tão com um sorriso na cara o tempo inteiro, mesmo sabendo que a civilização e o povo dele está sendo massacrado, mais de 1 milhão de Tibetanos foram mortos pela invasão chinesa e eles mesmos vivem no exílio...
Um dos professores estava vivo durante a infasão e seguiu o Dalai Lama, então com 20 e poucos anos, para o exílio na Índia. Ele descreveu o evento: "Naquele ano, os Chineses carinhosamente nos disseram que era hora de deixar o Tibet, e conhecer o mundo afora" Pode parecer aqui que é uma ironia por parte dele, um tanto quanto hipócrita, mas de ver ele falar e depois de estudar a teoria vc entende que é na verdade uma mente treinada a evitar sentimentos ruins como raiva e fúria e incentivar compaixão e amor a todos, amigos, estranhos e especialmente inimigos. O próprio Dalai Lama disse que o principal professor da sua vida foi o senhor Mao Tsé Tung.
Bom, acho que já deu né?
Vo encontrar o Bunito amanhã e aí vamos pra Agra ver o Taj Mahal, e depois pra Varanassi, a principal cidade onde queimam os corpos no Ganges... depois vamos caminhar no Nepal.
Vcs já deviam ter notado como meu estado de espírito estava antes do curso, então eu deixo a vcs só imaginarem como está depois...
aos meus amigos atromelados recomendo absurdamente que façam o curso, e a todos que tiverem a chance recomendo também.Ah, tive um idéia que achei muito legal pra um textino autoral... deve vir dentro de alguns dias...
Ah, esqueci de dizer que pra não terminar tamanha imersão culturo-expiritual de repente, ontem jantamos juntos algumas pessoas do curso e ficamos trocando figurinhas a respeito do que aprendemos... além disso devo dizer que parece que estou começando a viagem denovo hoje... ter que encontrar onde dormir, onde comer, pechinchar o preço, vix... pode até parecer estranho, mas eu preferia por muito ter a única preocupação de limpar as privadas todo dia... hoje passei o dia inteiro sentado num restaurante com um povo do curso olhando as montanhas, comendo e falando bobagem... deu muita vontade de ficar mais... mas vamo que vamo que a caravana não pode parar...
abraços!